Será A Revolução Encriptada?

A imaginação popular e a mídia de massa, não apenas no Brasil, mas em todo o mundo, têm se concentrado majoritariamente nos aspectos de investimento financeiro das criptomoedas. Por esse motivo, a depender de com quem você fale, o fenômeno ora é visto como um jeito mágico de ganhar dinheiro fácil, ora como uma gigantesca bolha especulativa prestes a estourar, ou simplesmente como um esquema fraudulento de pirâmide financeira para roubar os incautos.
A verdade é que se você estiver se referindo a uma criptomoeda específica em um momento específico do tempo, todas as alternativas acima podem ser verdadeiras. Quem colocou dinheiro nas criptomoedas certas no início de 2017 teve ganhos acima de qualquer outro ativo do mercado ou de qualquer expectativa razoável. Isso pra não falar nos pioneiros do Bitcoin que tiveram fé e nervos para manter suas posições por vários anos. Esses viraram literalmente milionários à partir de investimentos insignificantes. Praticamente “magia” financeira.
Por outro lado, o Bitcoin perdeu dois terços do seu valor nas primeiras semanas de 2018, caindo abaixo dos 7.000 dólares, depois de ter chegado a quase 20.000 em meados de Dezembro de 2017 (no momento em que escrevo, está rodando na casa dos 10.000 dólares). Muitos enxergam nesse comportamento o final da fase de “euforia” de uma bolha especulativa e os primeiros sinais da fase de “aflição” (ver The Economist).
A situação é ainda pior se olhamos para as chamadas Initial Coin Offerings (ICOs). As ICOs são, a princípio, uma forma alternativa para que empresas nascentes possam captar investimentos fora do circuito tradicional de capital de risco (venture capital). A ideia central de uma ICO é que investidores individuais possam comprar, de forma antecipada, quantidades de uma nova criptomoeda ou token digital que vai movimentar uma futura aplicação ou serviço inovador. Essa compra, realizada com moeda tradicional ou com uma outra criptomoeda já estabelecida (bitcoin é, de longe, a mais comum) financia o desenvolvimento da própria aplicação ou serviço que, se bem sucedido, gera demanda por e valoriza o seu token - e, por conseguinte, o investimento inicial.
Na prática, as ICOs se converteram em terreno fértil para golpes e fraudes. E os motivos para isso são velhos e novos: A busca por ganhos fáceis, associada à novidade do conceito e à complexidade da tecnologia envolvida (que dificultam sua compreensão pelos aspirantes a investidor). Junte a isso o fato de que as ICOs oferecem igualmente, tanto a empreendedores quanto a fraudadores, uma forma de evitar o processo rigoroso (e regulado) de captação de investimentos de risco através de fundos e bancos e temos uma oportunidade enorme para fraudes praticamente indistinguíveis de projetos legítimos.
A volatilidade absurda, os sintomas típicos de bolha e a convivência com fraudes rampantes têm rendido ao fenômeno das criptomoedas oposição e crítica ferozes, especialmente entre investidores e economistas tradicionais, incluindo estrelas globais como Joseph Stiglitz, Robert Schiller e Nouriel Roubini. Ao contrário dos defensores mais apaixonados da chamada criptoeconomia (cryptoeconomics), considero que muitas das críticas são pertinentes e merecem atenção. De uma forma geral, elas abordam os aspectos econômicos e políticos desses sistemas, os quais são tão ou mais importantes que os aspectos tecnológicos para a sua sobrevivência e crescimento no longo prazo.
Ao mesmo tempo, todos os críticos mais eloquentes dos sistemas criptoeconômicos ignoram completamente (de forma intencional ou não) o fato de que eles atacam problemas reais, que afetam a vida de bilhões de pessoas e cujas soluções teriam valor significativo e evidente. Entre esses problemas está, claro, o mais óbvio: Transferências monetárias rápidas, baratas, livres e sem intermediários entre indivíduos quaisquer, independente de sua localização geográfica e de sua nacionalidade (nota lateral: Estou ciente de que, a depender das suas convicções políticas, isso pode ser considerado mais um problema do que uma solução, mas o ponto é que uma quantidade significativa de pessoas no mundo aparentemente pensa o contrário).
Mas dinheiro virtual “em espécie” (virtual cash) é apenas a ponta do iceberg de problemas que podem ser resolvidos ou mitigados, caso se encontre uma solução viável para o problema essencial do estabelecimento de consensos de forma descentralizada, sem necessidade de confiar em uma entidade central para determinar a verdade sobre transações entre pares (o meta-problema essencial atacado pelo paradigma da criptoeconomia). Em segurança da informação, e mais especificamente em criptografia, a necessidade de uma entidade terceira verificadora de todas as transações é conhecida como o problema do terceiro confiável (trusted third party). Terceiros confiáveis são um óbvio ponto central de falhas, ataques e abusos potenciais, daí o grande interesse por soluções de consenso descentralizadas. Ao mesmo tempo, trata-se de um problema sócio-técnico extremamente difícil. Em postagens futuras vamos explorar o impacto potencial que mecanismos efetivos de consenso descentralizado podem ter na Internet, no mundo físico e na sociedade como um todo e como o Bitcoin e outros sistemas criptoeconômicos estão tentando resolver esse problema formidável.